O meu melhor amigo tem onlyfans – 24

CAPÍTULO XXIV

Minha mãe ajustou os elásticos da máscara, misturou o álcool nas mãos, a estampa do tecido no rosto era o mesmo do vestido.

Eu espirrei com o cheiro de papel oficio e água sanitária, ela borrifou mais álcool, voltei a espirrar. Ela trajava um vestido de alças, e sapatilhas, eu, calça, mocassim e camiseta.

Os elásticos da máscara atrás de minhas orelhas feriam meu rosto mas eram um incômodo obrigatório, sobretudo na rua.

“Tudo pronto”, ele enviou, “mamãe está de excelente humor”

– Acho um gesto bonito da parte do Ian, – mamãe disse.

Há dias ela procurava uma brecha para introduzir meu pai na conversa, num paralelo com o caso de Ian e a reconciliação com a mãe dele.

– Não entendi. A máscara abafa… – menti.

“Abafa principalmente a estupidez”, pensei comigo mesmo, uma das utilidades da máscara para além de filtro contra a covid-19, poder mover os lábios sem que ninguém pudesse lê-los, outro.

– E o Felipe, sem novidades? – ela perguntou.

– Envio mensagem todo dia. Jackson, está aflito com isso…

Ian segurava a grade com uma das mãos enquanto apoiava-se no batente com a outra, conversava com um rapaz na calçada.

– Não sei como você pretende pedir desculpas a dona Janete, sinceramente – mamãe alfinetou.

– Por que? O que uma coisa tem a ver com a outra?

– Não se faça de sonso menino, há pouco você fingiu que não tinha ouvido, quando falei da nobreza do gesto de Ian…

Eu aumentei meus passos e me aproximei mais dos dois, fugia do assunto “eles foram escrotos”, por que eu precisava bancar a Monalisa agora? Fodam-se! O cheiro do caldo de frango e massa ao molho de tomate vinham de dentro de casa insinuar-se na calçada.

– Olá, – falei ao rapaz. – Tudo bem?

– Marcos, – ele estendeu a mão. – Trabalho na oficina.

Ele ergueu a mão e coçou a cabeça depois sorriu, “a covid havia alterado até as formas de cumprimento mais banais”, eu bati com o meu calcanhar no dele.

– Então Marcos, depois a gente se fala… – Ian disse. – Até mano!

Marcos o cumprimentou com uma aproximação de ombros como soldados de uma mesma corporação. Eu os encarei e voltei a fitar o rapaz que se afastava em direção a rua da baixada.

– Mano? – sussurrei.

Ian beijou meu rosto e seguiu até minha mãe, entrevi dona Janete do outro lado, com a porta entreaberta, como um assombração “a espera de um exorcista”, olhou por cima da barra da máscara descartável que cobria o nariz e a boca.

Eu acenei “sai pra lá coisa ruim!”, pensei sorrindo, ela virou-se para dentro, captava o quanto gostava dela.

– Que cheiro gostoso, – exclamou mamãe.

– Eu que cozinhei, – Ian disse. – Vamos!?

“Os olhos dele brilham”, isso é mesmo importante pra ele, eu suspirei, um calafrio percorreu as minhas costas, “…pedir desculpas a vaca preconceituosa…”. Ian passou um braço por cima dos meus ombros, me trazendo de volta a realidade, e o outro na cintura de mamãe.

Dona Janete ergueu-se e cumprimentou minha mãe, Ian se sentou ao lado de dona Janete, e eu com minha mãe. Ela me encarava e fazia gestos para o lado como alguém com dores no pescoço, as palavras que me disse durante toda a semana vieram na minha cabeça “anda logo é só um pedido de desculpas”, é uma humilhação isso sim, eu mordia os lábios.

Mas ao olhar mais uma vez nos olhos de Ian, ele respirava ansiedade por aquele momento, o quanto me pedia. Engoli meu orgulho como se mastigasse papel, e disse:

– Dona Janete, – limpei a garganta. – Eu gostaria que me desculpasse.

“Bruxa velha! Preconceituosa! Maligna! Coisa ruim!”, eu dizia a mim mesmo, bases de cupins do meu ódio sustinham aquele pedido, que era, visivelmente recíproco.

Ela fez um chiste com os lábios repetindo o som de estalo de dedos e se dirigiu a mamãe.

– Alguém com menos de trinta anos não pode saber o que é um pedido de desculpas, – sorriu. – Apenas Deus pode nos perdoar.

Dona Janete furava o ar com o indicador para o teto, eu apenas de provocação olhei. Ian apertou a mão da mãe. Ela apenas confirmava o que Ian queria camuflar, “vaca preconceituosa!”.

– O que passou passou, não é mesmo? Nessa idade quem não dá cabeçadas, – mamãe interviu.

– A senhora chama aquilo de cabeçada? – bradou dona Janete. – Sexo, aqui, na sala de casa?

“É uma inteligência a parte mesmo”, sorri, e disfarcei o riso com uma tose, “formular uma pergunta dessas”, eu olhei para o Ian, e meu coração pesou como pétala, ele sorria, com certeza pensávamos o mesmo “foram apenas cabeçadas!”.

– O cuzinho de Felipe que o diga… – sussurrei mais para mim mesmo.

As cabeçadas de Kevin no meu amigo ainda me excitavam com alguma facilidade as noites.

– É mais comum do que parece, – mamãe manteve-se firme. – São jovens…

– Ah, muita coisa se explica, – Dona Janete mastigou a língua. – Essa covid veio para corrigir muita coisa errada nesse mundo. Separar o joio do trigo.

– É uma pandemia dona Janete, – mamãe argumentou. – Não uma inquisição. Nem o apocalipse, só a imundice humana.

– É castigo divino, – ela rebateu.

– Um vírus.

– Castigo!

– A senhora é teimosa, – mamãe suspirou.

As duas encararam-se, Ian ergueu-se e fez um gesto com a mão em direção ao quarto, eu o segui, as duas ficaram se encarando, não pareciam nós perceber sair, embora eu soubesse que dona Janete percebera tudo muito bem.

– Aonde vão? – Dona Janete tentou.

– Não sei como a senhora pode acreditar que deus faria uma desgraceira dessas…

– Para um povo corrupto, sodomita, um castigo deve ser…

A conversa das duas ficou para trás. Ian me puxou pela cintura abaixou minha máscara e eu a dele, espremeu os lábios macios contra os meus, e a pelve me empurrando para a cama.

– Obrigado, – ele disse. – Sei que foi difícil.

– Ela não merece pedido nenhum, – falei. – É sua mãe, eu sei, mas essa chantagem que ela vem fazendo com você…

– Está prestes a acabar, – ele segurava minha cintura. – Mas escuta preciso ter boa relação com ela. Além disso… Além disso…

Ele suspirou, correu com os olhos pelo quarto, depois retornou a por as mãos nos meus ombros, e rosto.

– Fala Ian, – pedi. – O que está acontecendo?

– Você se lembra do carro… Com as avarias do acidente, e eu ainda devendo várias parcelas… Sem o seguro…

Eu engoli em seco, havia ouvido há algum tempo a conversa dele com Luana sobre as dividas do bendito carro.

– Sei… sei… – eu disse.

– Mamãe concordou, – Ian sorria. – Sob algumas condições ela concordou em quitar pra mim com um dinheiro que era do meu pai…

– Eu nunca soube que teu pai havia deixado nada…

– Nem eu…

– Por isso as idas a igreja?

Ele balançou a cabeça. A mão pesada de dona Janete sovou a porta do quarto. Saímos, ele segurava a minha mão. A mãe dele fingiu não perceber. A minha abriu um riso. As coisas pareciam estar entrando nos eixos.

Eu sentei em frente a dona Janete que olhava para o prato a sua frente. Minha mãe ergueu o dela e alcançou a concha.

– E a oração? – dona Janete. – Antes de comer…

– Por favor mãe, tenha dó.

Mamãe e eu nos entreolhamos, ouvíamos apenas os talheres arranhando o fundo dos pratos, enquanto comíamos.

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